Braquistócrona

Trajetória de uma partícula que se desloca ao longo de três trajetórias diferentes. A curva em vermelho é a braquistócrona.

Denomina-se braquistócrona a trajectória de uma partícula que, sujeita a um campo gravitacional constante, sem atrito e com velocidade inicial nula, se desloca entre dois pontos no menor intervalo de tempo. Note-se que a questão não é qual o percurso mais curto entre os dois pontos, cuja resposta nas condições dadas é a reta que os une, mas sim, qual trajectória é percorrida no menor tempo.

Etimologia

A palavra braquistócrona vem do grego brakhistós (o mais curto) e khrónos (tempo).[1]

História

Citação
«Que aquele que consiga solucionar este problema conquiste o prémio que prometemos. Este prémio não é ouro nem prata (...) mas antes as honras, os elogios e os aplausos; (...) exaltaremos, pública e privadamente, por palavra e por carta, a perspicácia do nosso grande Apollo.»
Johann Bernoulli-proclamação de 1697 [2]

O problema começou por ser publicado na Acta Eruditorum de Leipzig, de Junho de 1696, onde Johann Bernoulli anunciava possuir uma solução e desafiava os cientistas para, num prazo de seis meses, fazerem o mesmo. Em Janeiro de 1697 publica uma nova proclamação anunciando que apenas Leibniz lhe comunicara ter chegado à solução, mas pedia um adiamento do prazo até à Páscoa para uma maior divulgação da questão junto do meio científico, o que foi aceito.

Acabariam por ser apresentadas cinco soluções nas Actas de 1697: a do próprio, a do seu irmão Jacob, a de Leibniz, a de L'Hôpital e uma sob anonimato (que seria a de Isaac Newton, como este veio a reconhecer mais tarde).

Citação
«Reconheço o leão pela sua garra.»
Comentário atribuído a Johann Bernoulli referindo-se a Newton, a propósito da solução anónima apresentada[2]

Ao contrário do que nossa intuição possa sugerir, o percurso mais rápido de uma esfera (por exemplo) ao longo de uma calha que una dois pontos a diferentes alturas não é uma linha recta. Esse menor tempo é obtido se a bola percorrer uma linha em forma de ciclóide.

Demonstração por Bernoulli

Qual a mais rápida trajetória? Experimento no Museu Estadual da Técnica e Trabalho, Mannheim

Pelo Princípio de Fermat o caminho mais rápido entre dois pontos é o que segue um raio de luz. A curva Braquistócrona corresponderá assim ao trajeto seguido pela luz num meio em que a velocidade aumenta segundo uma aceleração constante (a força da gravidade g).

A lei da conservação de energia permite expressar a velocidade de um corpo submetido à atracção terrestre pela fórmula:

v = 2 g h {\displaystyle v={\sqrt {2gh}}} ,

onde h representa a perda de altitude em relação ao ponto de partida. De notar que não depende do ponto de partida horizontal.

A lei da refracção indica que um raio luminoso ao longo da sua trajectória obedece à regra:

s e n θ v = K {\displaystyle {\frac {sen{\theta }}{v}}=K} ,

onde θ {\displaystyle \theta } representa o ângulo em relação à vertical e K {\displaystyle K} uma constante.

Inserindo nesta fórmula a expressão da velocidade acima, tiram-se de imediato duas conclusões:

1- No ponto de partida, visto que a velocidade é nula, o ângulo também é nulo. Logo a curva braquistócrona é tangente à vertical na origem.

2- A velocidade é limitada, pois o seno não pode ser superior a 1. Esta velocidade máxima á atingida quando a partícula (ou o raio) passa pela horizontal.

Sem prejudicar a generalidade do problema, supõe-se que a partícula parta do ponto de coordenadas (0,0) e que a velocidade máxima seja atingida à altitude –D. A lei da refracção exprime-se então por:

s e n θ 2 g y = 1 2 g D {\displaystyle {\frac {sen{\theta }}{\sqrt {-2gy}}}={\frac {1}{\sqrt {2gD}}}} .

Num ponto qualquer da trajectória podemos aplicar a relação:

s e n θ = d x d x 2 + d y 2 {\displaystyle sen{\theta }={\frac {dx}{\sqrt {dx^{2}+dy^{2}}}}} .

Inserindo esta expressão na fórmula precedente e arrumando os termos da mesma obtém-se:

( d y d x ) 2 = D + y y {\displaystyle {\begin{pmatrix}{\frac {dy}{dx}}\end{pmatrix}}^{2}=-{\frac {D+y}{y}}} .

Que corresponde à equação diferencial do oposto de uma cicloide gerado pelo diâmetro D.

Formalização do problema

Considere uma curva suave λ {\displaystyle \lambda } no plano ( x , y ) {\displaystyle (x,y)} unindo dois pontos fixos P 0 = ( x 0 ; y 0 ) {\displaystyle P_{0}=(x_{0};y_{0})} e P 1 = ( x 1 ; y 1 ) {\displaystyle P_{1}=(x_{1};y_{1})} . (Suponha que y 0 > y 1 {\displaystyle y_{0}>y_{1}} ). O tempo T {\displaystyle T} necessário para que uma partícula localizada na posição ( x , y ) {\displaystyle (x,y)} percorra a curva λ {\displaystyle \lambda } de P 0 {\displaystyle P_{0}} até P 1 {\displaystyle P_{1}} é dado por

T = 0 T d t = λ d s v {\displaystyle T=\int _{0}^{T}dt=\int _{\lambda }{\frac {ds}{v}}}

Assumimos que a força gravitacional terrestre atua no sentido negativo do eixo y {\displaystyle y} . Assim, uma partícula localizada na posição ( x , y ) {\displaystyle (x,y)} e que desliza ao longo de λ {\displaystyle \lambda } sob a força da gravidade terá energia cinética e energia potencial dadas respectivamente como 1 2 m v 2 {\displaystyle {\frac {1}{2}}mv^{2}} e m g y {\displaystyle mgy} , em que m {\displaystyle m} é a massa da partícula. Pela conservação de energia, temos

1 2 m v 2 + m g y = m g y 0 , {\displaystyle {\frac {1}{2}}mv^{2}+mgy=mgy_{0},}

onde a partícula começa no repouso em P 0 {\displaystyle P_{0}} com energia cinética inicial zero e energia potencial igual m g y 0 {\displaystyle mgy_{0}} . Consideramos sem perda de generalidade que λ {\displaystyle \lambda } é parametrizada por

λ : y = Y ( x ) , x 0 x x 1 {\displaystyle \lambda :y=Y(x),\;\;x_{0}\leq x\leq x_{1}}

para alguma função Y ( x ) {\displaystyle Y(x)} adequada temos

v = 2 g [ y 0 Y ( z ) ] , d s = 1 + Y ( z ) 2 d z . {\displaystyle v={\sqrt {2g[y_{0}-Y(z)]}},\;\;\;ds={\sqrt {1+Y'(z)^{2}}}dz.}

Portanto,

T ( λ ) = x 0 x 1 1 + Y ( z ) 2 2 g [ y 0 Y ( z ) ] d z ( 1 ) {\displaystyle T(\lambda )=\int _{x_{0}}^{x_{1}}{\sqrt {\frac {1+Y'(z)^{2}}{2g[y_{0}-Y(z)]}}}dz\;\;\;\;\;\;\;\;\;(1)}

Para qualquer Y {\displaystyle Y} em D ( T ) = { Y C [ x 0 ; x 1 ] 1 | Y ( x 0 ) = y 0 e Y ( x 1 ) = y 1 } C [ x 0 , x 1 ] 1 {\displaystyle D(T)=\{Y\in \;C_{[x_{0};x_{1}]}^{1}\;|\;Y(x_{0})=y_{0}\;\,e\;\,Y(x_{1})=y_{1}\}\subseteq \;C_{[x_{0},x_{1}]}^{1}} .

Solução por meio do cálculo variacional

Para facilitar, vamos considerar , na seção de formalização do problema, P 0 = ( 0 ; 0 ) {\displaystyle P_{0}=(0;0)} e P 1 = ( x 1 , y 1 ) {\displaystyle P_{1}=(x_{1},y_{1})} , assim adaptando (1), temos

T ( λ ) = 1 2 g 0 x 1 1 + Y ( z ) 2 Y ( z ) d z Y ( 0 ) = 0 , Y ( x 1 ) = y 1 . ( 2 ) {\displaystyle T(\lambda )={\frac {1}{\sqrt {2g}}}\int _{0}^{x_{1}}{\sqrt {\frac {1+Y'(z)^{2}}{Y(z)}}}dz\;\;\;\;\;\;\;Y(0)=0\;,Y(x_{1})=y_{1}.\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;\;(2)}

Agora, precisamos encontrar a função y {\displaystyle y} que minimize (2) , com as condições de fronteiras dadas.

Considere então a função F ( x ; y ; y ) = 1 + y 2 y {\displaystyle F(x;y;y')={\dfrac {\sqrt {1+y'^{2}}}{\sqrt {y}}}} . Assim, F y = y y ( 1 + y 2 ) {\displaystyle F_{y'}={\dfrac {y'}{\sqrt {y(1+y'^{2})}}}} . A condição necessária para termos um extremo para o funcional é dada pela equação de Euler-Lagrange ( F y d d x F y ) {\displaystyle (F_{y}-{\dfrac {d}{dx}}F_{y'})} ; como neste caso o funcional não depende de x {\displaystyle x} , tem-se ( F y F y = K 1 ) {\displaystyle (F-y'F_{y'}=K_{1})} , e deste modo, temos

1 + y 2 y y 2 y ( 1 + y 2 ) = 1 y ( 1 + y 2 ) = K 1 {\displaystyle {\frac {\sqrt {1+y'^{2}}}{\sqrt {y}}}-{\frac {y'2}{\sqrt {y(1+y'2)}}}={\frac {1}{\sqrt {y(1+y'^{2})}}}=K_{1}}

Isto é,

y ( 1 + y 2 ) = K 2 {\displaystyle y(1+y'^{2})=K_{2}}

Para resolver esta equação diferencial, insere-se um parâmetro t {\displaystyle t} . Então considere y ( x ( t ) ) = cot ( t ) {\displaystyle y'(x(t))=\cot(t)} e assim , tem-se

y = K 2 1 + cot 2 t = K 2 1 + ( 1 + cos ( 2 t ) ) / 2 ( 1 cos ( 2 t ) ) / 2 {\displaystyle y={\frac {K_{2}}{1+\cot ^{2}t}}={\frac {K_{2}}{1+{\dfrac {(1+\cos(2t))/2}{(1-\cos(2t))/2}}}}}

Assim,

y = K 2 2 ( 1 cos ( 2 t ) ) {\displaystyle y={\frac {K_{2}}{2}}(1-\cos(2t))}

Derivando y {\displaystyle y} em relação a t {\displaystyle t} , tem-se d y = 2 K 2 s e n ( t ) cos ( t ) d t {\displaystyle dy=2K_{2}{\textrm {s}}en(t)\cos(t)dt} , e como d x = d y y ( x ) {\displaystyle dx={\frac {dy}{y'(x)}}} , logo

d x = 2 K 2 s e n ( t ) cos ( t ) cot ( t ) d t = K 2 ( 1 cos ( 2 t ) ) d t {\displaystyle dx={\frac {2K_{2}{\textrm {s}}en(t)\cos(t)}{\cot(t)}}dt=K_{2}(1-\cos(2t))dt}

isto é,

x ( t ) = K 2 t K 2 s e n ( 2 t ) 2 + K 3 = K 2 2 ( 2 t s e n ( 2 t ) ) + K 3 {\displaystyle x(t)=K_{2}t-{\frac {K_{2}{\textrm {s}}en(2t)}{2}}+K_{3}={\frac {K_{2}}{2}}(2t-{\textrm {s}}en(2t))+K_{3}}

Desta forma, uma parametrização para λ {\displaystyle \lambda } é dada por ( x ( t ) ; y ( t ) ) {\displaystyle (x(t);y(t))} , e fazendo 2 t = θ {\displaystyle 2t=\theta } , K 2 2 = R 1 {\displaystyle {\frac {K_{2}}{2}}=R_{1}} e como x ( 0 ) = 0 {\displaystyle x(0)=0} , então K 3 = 0 {\displaystyle K_{3}=0} , assim fica-se com  x ( θ ) = R 1 ( θ s e n ( θ ) ) {\displaystyle x(\theta )=R_{1}(\theta -{\textrm {s}}en(\theta ))} e y ( θ ) = R 1 ( 1 cos ( θ ) ) {\displaystyle y(\theta )=R_{1}(1-\cos(\theta ))} .Assim, a curva λ = ( x ( θ ) ; y ( θ ) ) {\displaystyle \lambda =(x(\theta );y(\theta ))} , que é um arco de cicloide, é candidata a extremo do funcional.

Vamos agora verificar as condições suficientes para mostrar que a curva λ = ( x ( θ ) ; y ( θ ) ) {\displaystyle \lambda =(x(\theta );y(\theta ))} minimiza o funcional. Observe que o feixe de cicloide x = r ( α s e n ( α ) ) {\displaystyle x=r(\alpha -{\textrm {s}}en(\alpha ))} e y = r ( 1 cos ( α ) ) {\displaystyle y=r(1-\cos(\alpha ))} com o centro ( 0 ; 0 ) {\displaystyle (0;0)} forma um campo central que inclui o extremal

x ( θ ) = R 1 ( θ s e n ( θ ) ) {\displaystyle x(\theta )=R_{1}(\theta -{\textrm {s}}en(\theta ))} e y ( θ ) = R 1 ( 1 cos ( θ ) ) {\displaystyle y(\theta )=R_{1}(1-\cos(\theta ))}

onde R 1 {\displaystyle R_{1}} é determinado pela condição de que a cicloide passa pelo ponto de fronteira P 1 = ( x 1 ; y 1 ) {\displaystyle P_{1}=(x_{1};y_{1})} , então x 1 < 2 π R 1 {\displaystyle x_{1}<2\pi R_{1}} .

Além disso, como F y = y y ( 1 + y 2 ) {\displaystyle F_{y'}={\dfrac {y'}{\sqrt {y(1+y'^{2})}}}} , então F y y = 1 y ( 1 + y 2 ) 3 > 0 {\displaystyle F_{y'y'}={\dfrac {1}{{\sqrt {y}}{\sqrt {(1+y'^{2})^{3}}}}}>0}

para qualquer y {\displaystyle y'} . Assim, verifica-se a condição suficiente para que o funcional assuma o mínimo na cicloide

x ( θ ) = R 1 ( θ s e n ( θ ) ) {\displaystyle x(\theta )=R_{1}(\theta -{\textrm {s}}en(\theta ))} e y ( θ ) = R 1 ( 1 cos ( θ ) ) {\displaystyle y(\theta )=R_{1}(1-\cos(\theta ))}

Portanto temos a confirmação que a solução do problema da Braquistócrona é a cicloide.

Referências

  1. «Braquistócrona». Consultado em 3 de março de 2022 
  2. a b STRUIK, D.J. (ed.) (1969). A Source Book in Mathematics 1200-1800. Cambridge, MA: Harvard University Press. p. 651. doi:10.1017/S0013091500009329 

Bibliografia