Teorema do índice de Atiyah-Singer

Na geometria diferencial, o teorema do índice de Atiyah-Singer afirma que para um operador diferencial elíptico sobre uma variedade compacta, o índice analítico (relacionado com a dimensão do espaço de soluções) é igual ao índice topológico (definida em termos de alguns dados topológicos). Ele inclui muitos outros importantes teoremas (como o teorema de Riemann-Roch) como casos especiais, e tem aplicações em física teórica.

Foi provado por Michael Atiyah e Isadore Singer em 1963.

Índice analítico

Quando devidamente estendido a um espaço de Sobolev[1], todo operador diferencial elíptico D {\displaystyle D} pode ser visto como um operador de Fredholm- ou seja, um operador contínuo com núcleo e conúcleo de dimensão finita. Assim, os espaços vetoriais ker ( D ) {\displaystyle \ker(D)} e coker ( D ) = ker ( D ) {\displaystyle \operatorname {coker} (D)=\ker(D^{*})} têm dimensão finita, e portanto podemos calcular o índice analítico do operador:

Ind ( D ) = dim ker ( D ) dim coker ( D ) {\displaystyle \operatorname {Ind} (D)=\dim \ker(D)-\dim \operatorname {coker} (D)}

que é um invariante topológico de operadores de Fredholm entre espaços de Hilbert (isto é, dois operadores do tipo são homotópicos em B ( H ) {\displaystyle B(H)} exatamente quando têm mesmo índice).

Índice topológico

Usando invariantes topológicas conhecidas como classes características, é possível associar a um operador elíptico D {\displaystyle D} o seu índice topológico, igual à expressão[2]

( 1 ) n ch ( D ) Td ( T X C ) [ T X ] = ( 1 ) n T X ch ( D ) Td ( T X C ) {\displaystyle (-1)^{n}\operatorname {ch} (D)\operatorname {Td} (TX\otimes \mathbb {C} )[T^{*}X]=(-1)^{n}\int _{T^{*}X}\operatorname {ch} (D)\operatorname {Td} (TX\otimes \mathbb {C} )}

onde

  • Td ( T X C ) {\displaystyle \operatorname {Td} (TX\otimes \mathbb {C} )} é a classe de Todd do fibrado tangente complexificado;
  • ch ( D ) {\displaystyle \operatorname {ch} (D)} é igual a ch ( d ( p E , p F , σ ( D ) ) ) {\displaystyle \operatorname {ch} (d(p^{*}E,p^{*}F,\sigma (D)))} , onde
    • ch : K ( X ) Q H ( X ; Q ) {\displaystyle \operatorname {ch} :K(X)\otimes \mathbb {Q} \to H^{*}(X;\mathbb {Q} )} é o caráter de Chern;
    • d ( p E , p F , σ ( D ) ) {\displaystyle d(p^{*}E,p^{*}F,\sigma (D))} é o "elemento de diferença" em K ( B ( X ) / S ( X ) ) {\displaystyle K(B(X)/S(X))} associado aos fibrados p E {\displaystyle p^{*}E} e p F {\displaystyle p^{*}F} sobre B ( X ) = { ( v , x ) T X ; | | v | | 1 , x X } {\displaystyle B(X)=\{(v,x)\in T^{*}X;\vert \vert v\vert \vert \leq 1,\,x\in X\}} e o isomorfismo σ ( D ) {\displaystyle \sigma (D)} entre eles no subespaço S ( X ) = { ( v , x ) T X ; | | v | | = 1 , x X } {\displaystyle S(X)=\{(v,x)\in T^{*}X;\vert \vert v\vert \vert =1,\,x\in X\}} ;
    • σ ( D ) {\displaystyle \sigma (D)} é o símbolo de D {\displaystyle D} .

Em algumas situações, é possível simplificar a fórmula acima para fins computacionais. Em particular, se X {\displaystyle X} é uma variedade (compacta) orientável 2 m {\displaystyle 2m} -dimensional cuja classe de Euler e ( T X ) {\displaystyle e(TX)} é não-nula, então aplicando o isomorfismo de Thom e dividindo pela classe de Euler[3][1], o índice topológico pode ser expresso como

( 1 ) m X ch ( E ) ch ( F ) e ( T X ) Td ( X ) {\displaystyle (-1)^{m}\int _{X}{\frac {\operatorname {ch} (E)-\operatorname {ch} (F)}{e(TX)}}\operatorname {Td} (X)}

onde a divisão por formas faz sentido na medida em que fazemos o pullback de e ( T X ) 1 {\displaystyle e(TX)^{-1}} a partir do espaço classificante B S O {\displaystyle BSO} .

O teorema do índice então afirma que: o índice analítico é igual ao índice topológico.

Exemplos

Teorema de Chern-Gauss-Bonnet

Seja M {\displaystyle M} uma variedade compacta orientável de dimensão n = 2 r {\displaystyle n=2r} . Se Λ e v e n {\displaystyle \Lambda ^{even}} representar a soma dos produtos exteriores de grau par do fibrado cotangente, e Λ o d d {\displaystyle \Lambda ^{odd}} a soma dos de grau ímpar, defina D = d + d {\displaystyle D=d+d^{*}} , considerado como uma aplicação de Λ e v e n {\displaystyle \Lambda ^{even}} a Λ o d d {\displaystyle \Lambda ^{odd}} . Então o índice analítico de D {\displaystyle D} é a característica de Euler de χ ( M ) {\displaystyle \chi (M)} , e o índice analítico é a integral da classe de Euler sobre a variedade. Essa é a versão "topológica" do teorema de Chern-Gauss-Bonnet.

Mais concretamente, segundo uma variação do princípio de divisão, se E {\displaystyle E} é um fibrado vetorial real de dimensão n = 2 r {\displaystyle n=2r} , para provarmos fórmulas envolvendo classes características, é possível supor que existem fibrados de linha complexos l 1 , . . . l r {\displaystyle l_{1},...l_{r}} tais que E C = l 1 l 1 ¯ . . . l r l r ¯ {\displaystyle E\otimes \mathbb {C} =l_{1}\oplus {\overline {l_{1}}}\oplus ...l_{r}\oplus {\overline {l_{r}}}} . Logo, podemos tratar das raízes de Chern x i ( E C ) = c 1 ( l i ) {\displaystyle x_{i}(E\otimes \mathbb {C} )=c_{1}(l_{i})} , x r + i ( E C ) = c 1 ( l i ¯ ) = x i ( E C ) {\displaystyle x_{r+i}(E\otimes \mathbb {C} )=c_{1}({\overline {l_{i}}})=-x_{i}(E\otimes \mathbb {C} )} , i = 1 , . . . , r {\displaystyle i=1,...,r} .

Usando raízes de Chern como acima e aplicando as propriedades básicas da classe de Euler, temos que e ( T M ) = i r x i ( T M C ) {\displaystyle e(TM)=\prod _{i}^{r}x_{i}(TM\otimes \mathbb {C} )} . Em relação ao caráter de Chern e à classe de Todd[4],

ch ( Λ e v e n Λ o d d ) = 1 ch ( T M C ) + ch ( Λ 2 T M C ) . . . + ( 1 ) n ch ( Λ n T M C ) = 1 i n e x i ( T M C ) + i < j e x i e x j ( T M C ) + . . . + ( 1 ) n e x 1 . . . e x n ( T M C ) = i n ( 1 e x i ( T M C ) ) {\displaystyle {\begin{aligned}\operatorname {ch} (\Lambda ^{even}-\Lambda ^{odd})&=1-\operatorname {ch} (T^{*}M\otimes \mathbb {C} )+\operatorname {ch} (\Lambda ^{2}T^{*}M\otimes \mathbb {C} )-...+(-1)^{n}\operatorname {ch} (\Lambda ^{n}T^{*}M\otimes \mathbb {C} )\\&=1-\sum _{i}^{n}e^{-x_{i}}(TM\otimes \mathbb {C} )+\sum _{i<j}e^{-x_{i}}e^{-x_{j}}(TM\otimes \mathbb {C} )+...+(-1)^{n}e^{-x_{1}}...e^{-x_{n}}(TM\otimes \mathbb {C} )\\&=\prod _{i}^{n}(1-e^{-x_{i}}(TM\otimes \mathbb {C} ))\end{aligned}}}
Td ( T M C ) = i n x i 1 e x i ( T M C ) {\displaystyle {\begin{aligned}\operatorname {Td} (TM\otimes \mathbb {C} )=\prod _{i}^{n}{\frac {x_{i}}{1-e^{-x_{i}}}}(TM\otimes \mathbb {C} )\end{aligned}}}

Aplicando o teorema do índice,

χ ( M ) = ( 1 ) r M i n ( 1 e x i ) i r x i i n x i 1 e x i ( T M C ) = ( 1 ) r M ( 1 ) r i r x i ( T M C ) = M e ( T M ) {\displaystyle \chi (M)=(-1)^{r}\int _{M}{\frac {\prod _{i}^{n}(1-e^{-x_{i}})}{\prod _{i}^{r}x_{i}}}\prod _{i}^{n}{\frac {x_{i}}{1-e^{-x_{i}}}}(TM\otimes \mathbb {C} )=(-1)^{r}\int _{M}(-1)^{r}\prod _{i}^{r}x_{i}(TM\otimes \mathbb {C} )=\int _{M}e(TM)} ,

que é a versão topológica do teorema de Chern-Gauss-Bonnet (a geométrica sendo obtida ao aplicarmos o homomorfismo de Chern-Weil).

Teorema de Hirzebruch-Riemann-Roch

Seja X uma variedade complexa de dimensão (também complexa) n {\displaystyle n} e V um fibrado vetorial holomórfico sobre X. Se E e F forem as somas dos fibrados de formas diferenciais com coeficientes em V de tipo (0,i) com i par (no caso de E) ou ímpar (no caso de F), consideramos o operador diferencial

D = ¯ + ¯ {\displaystyle D={\overline {\partial }}+{\overline {\partial }}^{*}}

restrito a E.

Nesse caso, o índice analítico do operador é a característica de Euler holomórfica de V:

index ( D ) = p ( 1 ) p dim H p ( X , V ) = χ ( X , V ) {\displaystyle {\textrm {index}}(D)=\sum _{p}(-1)^{p}{\textrm {dim}}\,H^{p}(X,V)=\chi (X,V)}

Como estamos tratando de fibrados que já são compelxos, calcular o índice topológico é mais simples. Usando raízes de Chern e fazendo contas similares às do exemplo anterior, a classe de Euler é dada por e ( T X ) = i n x i ( T X ) {\displaystyle e(TX)=\prod _{i}^{n}x_{i}(TX)} e

ch ( j n ( 1 ) j V Λ j T X ¯ ) = ch ( V ) j n ( 1 e x j ) ( T X ) {\displaystyle \operatorname {ch} (\sum _{j}^{n}(-1)^{j}V\otimes \Lambda ^{j}{\overline {T^{*}X}})=\operatorname {ch} (V)\prod _{j}^{n}(1-e^{x_{j}})(TX)}
Td ( T X C ) = Td ( T X ) Td ( T X ¯ ) = i n x i 1 e x i j n x j 1 e x j ( T X ) {\displaystyle \operatorname {Td} (TX\otimes \mathbb {C} )=\operatorname {Td} (TX)\operatorname {Td} ({\overline {TX}})=\prod _{i}^{n}{\frac {x_{i}}{1-e^{-x_{i}}}}\prod _{j}^{n}{\frac {-x_{j}}{1-e^{x_{j}}}}(TX)}

Aplicando o teorema do índice, obtemos o teorema de Hirzebruch-Riemann-Roch:

χ ( X , V ) = X ch ( V ) Td ( T X ) {\displaystyle \chi (X,V)=\int _{X}\operatorname {ch} (V)\operatorname {Td} (TX)}

Na verdade, obtemos uma generalização a todas as variedades complexas: a demonstração original de Hirzebruch funcionava somente para variedades projetivas.

Referências

  1. a b Lawson, H. Blane; Michelsohn, Marie-Louise (1989), Spin Geometry, ISBN 0-691-08542-0, Princeton University Press 
  2. Atiyah, Michael F.; Singer, Isadore M. (1968a), «The Index of Elliptic Operators I», Annals of Mathematics, 87 (3): 484–530, JSTOR 1970715, doi:10.2307/1970715 
  3. Shanahan, P. (1978), The Atiyah–Singer index theorem: an introduction, ISBN 978-0-387-08660-6, Lecture Notes in Mathematics, 638, Springer, CiteSeerX 10.1.1.193.9222Acessível livremente, doi:10.1007/BFb0068264 
  4. Nakahara, Mikio (2003), Geometry, topology and physics, ISBN 0-7503-0606-8, Institute of Physics Publishing 

Ligações externas

  • Rafe Mazzeo: Teorema do índice de Atiyah-Singer: o que é, e porque devemos nos preocupar.
  • Raussen, Skau, Entrevista com Atiyah, Singer, Notices AMS 2005.
  • R. R. Seeley and other, Notas antigas sobre operadores pseudo-diferenciais e teoria de índices
  • A. J. Wassermann, Notas sobre o Teorema do índice de Atiyah-Singer
  • Portal da ciência
  • Portal da matemática